Celia Brandão, Psicóloga

Artigos

Identidade e Sucessão: Interface psicologia e direito.

Untitled-2

 

Identidade e Sucessão: interface psicologia e direito.

Celia Brandão[1]

 

 

Identidade: uma abordagem da Psicologia.

 

 

O tema da identidade e a análise simbólica das diferentes posições ocupadas pelos membros de um grupo familiar são de fundamental importância ao lidar com conflitos e disputas em processos de sucessão das empresas familiares.

Para tratarmos do tema da identidade do ponto de vista da psicologia é preciso levar em conta que, a princípio, a análise da infância era realizada apenas a partir de inferências sobre relatos de adultos em terapia. Apenas posteriormente, a partir dos estudos psicanalíticos, passou-se a descrever a infância com base em material analítico advindo também das crianças. (Fordham, 1994, pag. 94)

A análise de bebês e da primeira infância (Astor, J., 1995) demonstra que os bebês ao nascer não estão fundidos narcisicamente com o inconsciente da mãe. Apresentam um self primário: um integrado individual de potencialidades inconscientes que na relação com o ambiente sofrem um processo de diferenciação, transformando-se nos rudimentos de sua futura identidade. A implicação desse pressuposto sobre a infância é que a criança é considerada uma pequena identidade logo ao nascer.[2] Ou seja, cada bebê apresenta uma forma peculiar não somente de reagir aos estímulos ambientais, mas também interagir com o ambiente desde o primeiro dia de vida.

    A formação da identidade parte, então, de uma unidade psicossomática que irá se diferenciar através de uma alternância de estados estáveis e instáveis instalados no bebê pela necessidade de assimilação e adaptação ao ambiente. O termo psicossomático refere-se ao que é psíquico e somático ao mesmo tempo, entendendo-se com isso que o “soma” está atrelado à experiência psíquica durante todo o processo de desenvolvimento. Não há uma separação total entre corpo biológico e vida psíquica. Uma criança ao nascer apresenta estrutura inata com potencial para a crescente capacidade de representar simbolicamente suas experiências. Essa potencialidade é constituida por herança biológica e psíquica presentes também no inconsciente coletivo[3].  (Fordham, 1994)[4]

  O universo do bebê humano restringe-se inicialmente a suas sensações e percepções corporais.  No contato com a mãe vive experiências que transformam virtualidades arquetípicas em imagens, uma forma primária de consciência que mais tarde formará o ego rudimentar e, então, o ego adulto. Na medida em que a consciência se desenvolve, a criança em busca da própria identidade projeta suas primeiras sensações no ambiente ou em seu cuidador. Como ainda não há uma diferenciação plena entre interno e externo, entre o “eu e o outro“, a criança poderá confundir-se com o ambiente, identificando-se com partes dele na busca de estruturação do próprio “eu”.  Pode também introjetar[5] características de outra pessoa e com elas se identificar.

  Melanie Klein[6], em 1952, descreveu o mecanismo de identificação projetiva como a principal função formadora do ego. Segundo Klein, a psique infantil fantasia e cria imagens dos objetos com que se relaciona procurando resolver seu desconforto frente às experiências de frustração e do sentimento de ameaça de auto-aniquilação gerados por situações de privação. A criança projeta suas demandas instintivas nos pais e no vínculo que tem com eles, na tentativa de assimilar esses conteúdos e, da mesma forma, introjeta conteúdos e a qualidade dos vínculos com os quais se identifica. Entende-se, portanto, que a qualidade emocional da experiência infantil se constrói em um campo intersubjetivo, entre a subjetividade em construção da criança e a de seu cuidador.

Em um primeiro momento, não há ainda uma separação entre sujeito e objeto, entre o eu e o outro” no psiquismo infantil. As identificações são parciais e a percepção dos objetos também é. Falamos aqui de uma equivalência simbólica entre a percepção infantil da natureza do objeto e a experiência emocional que a criança tem com ele. Por exemplo: a criança pode associar uma canção a uma experiência de satisfação e alegrar-se com ela. Ou, de outro lado, associar a escuridão à experiência negativa de ir para a cama e ficar sozinha. A percepção dos objetos é parcial e se associa a sua experiência subjetiva. A natureza do objeto e a qualidade positiva ou negativa da experiência fundem-se em uma imagem simbólica. Dois objetos podem também ser fundidos em uma só imagem por serem identificados com uma mesma qualidade de experiência. Atente-se para o fato de que essas formas de elaboração simbólica não se restringem a períodos  ou fases do desenvolvimento infantil mas podem ocorrer durante toda a vida.

Em um segundo momento, a criança poderá interferir na própria experiência, procurando modificá-la. Se o ficar sozinha lhe for muito penoso, poderá atribuir a um objeto a função simbólica de fazer presente sua mãe. Se um travesseirinho representar a “mamãe”, não se separará mais dele enquanto estiver sozinha. Essa capacidade de simbolizar evolui até que seja capaz de transformar a experiência de acolhimento por parte da mãe em um sentido interno de segurança e, dessa forma, for capaz de extendê-lo inclusive aos momentos em que estiver sozinha.

Winnicott contribuiu com a psicologia infantil ao mostrar que muito cedo o bebê “é capaz de conceber a ideia de algo que atenderia à crescente necessidade suscitada pela tensão instintual”, por exemplo, “(…) uma mãe que se apresenta no momento certo oferecendo, de hábito, seu seio (…)” (Accioly Maria Ivone, 1998, p. 33-34). Segundo Accioly, coloca-se aqui um paradoxo: a existência de uma mãe real, importante no processo de formação da identidade, mas que ainda não é percebida como um “outro” pelo bebê. Essa mãe é um objeto subjetivo, e sua imago[Nd1] é construída junto ao espaço de estruturação da própria psique. (op. cit, 1998).

Com o desenvolvimento da consciência, surge uma terceira área que não é mais a realidade factual meramente ou outra puramente imaginativa, individual ou pública, interna ou externa. A possibilidade de erguer pontes entre diferentes níveis da experiência instala a capacidade simbólica própriamente dita, capaz de transcender o conflito entre oposições e de comunicar-se entre as diferenças.

Na prática clínica, nos deparamos com pessoas que experimentam alto nível de ansiedade ao terem que viver uma separação ou encerrar uma atividade. Essa ansiedade pode se apresentar na forma de grande voracidade e ambição compensatórias. Ao final de uma sessão de psicoterapia, a tendência de quem experimenta esse tipo de ansiedade é tornar-se redundante e prolixo, repetir-se simplesmente tentando impedir o encerramento da sessão de terapia ou de mediação, e impedir, portanto, a consequente separação do psicólogo.

No âmbito corporativo, é exemplo o caso de um executivo que, temendo sua exclusão do quadro de funcionários[Nd2], apega-se a um antigo sonho, um antigo projeto, repetindo a própria história para não entrar em contato com o declínio da importância de sua função na empresa. Experimenta-se uma ansiedade de separação análoga àquela de uma criança que retarda o fim de sua refeição para adiar também a hora de ir dormir e separar-se fisicamente de entes queridos. Aqui a experiência de aconchego e de segurança estão fundidas a uma dada situação ou status que o sujeito procura eternizar.  

Não há nesses casos uma elaboração simbólica plena de um conflito, pois sua percepção é parcial. O sujeito está identificado com um aspecto do conflito e não consegue transformar sua experiência emocional. Uma parte da realidade é negada e o processo criativo de transformação dessa realidade e de si mesmo é abortado.

Durante o processo de individuação, que ocorre durante toda a vida, o sujeito se confrontará com situações mais e outras menos complexas, através das quais estruturará o próprio sentido de identidade enquanto opera transformações no meio, processo que sempre exigirá a atribuição de significado ao que é vivido.

 

 

Formação da identidade: processo de individuação.

 

 

Ao nascer, embora a criança estabeleça relações objetais, podemos dizer que a natureza dessas relações é composta por percepções objetivas e pela energia inconsciente do self. Uma criança no seio ainda não se distingue do ambiente externo, tampouco distingue a fonte das sensações que experimenta. Seu eu é rudimentar e o seio materno é experimentado como parte do próprio self.

Um bebê pode, por exemplo, confundir o seio vazio com a ausência ou perda da mãe. Parte e todo se confundem no eu rudimentar. À medida em que este se fortalece, em uma fase de menor dependência[7], sentimentos anteriores de onipotência (de fusão com o todo) são sucedidos por uma percepção do que está dentro e do que está fora do seu corpo. Experimenta gradativamente um sentido de continuidade no espaço e no tempo e pode então, como unidade indivisível (um pequeno indivíduo), interagir com aqueles que o cercam: mãe, pai ou primeiros cuidadores. Essa atividade de simbolização evolui até o momento em que se configura como ferramenta capaz de transformar a vida desse sujeito em algo significativo para ele próprio.

Porém, nos alertava Carl Jung, “consciência e inconsciente não constituem uma totalidade (…) Ambos são aspectos da vida.” (Jung, 2003, par. 522). Por isso, durante toda a vida, podem ocorrer momentos de maior ou menor discriminação na consciência, ou mesmo de dominância do inconsciente. Esse sistema permanece em contínua interação dinâmica e compensatória. A vontade do eu e a potencialidade do self disputam e colaboram entre si na busca da individuação do sujeito.

 A importância do postulado de que o ego não é o centro da psique mas apenas o centro da consciência[8] é de que processos inconscientes estão envolvidos na construção de nosso sentido de identidade desde o começo de nosso desenvolvimento. Essa noção é de extrema importância para refletirmos sobre o conflito de identidade na contemporaneidade[9], assim como para compreender quais são os símbolos em conflito na busca de identidade do homem contemporâneo.

Um dos desafios deste mundo é a busca de inclusão, como é também a necessidade de afirmação da própria individualidade em uma sociedade plural. Neste sentido, a vontade egóica de autoconstrução e de unificação concorre com a demanda criativa de desconstrução advinda do self .  

Freud lançou no século XIX (por meio da noção de inconsciente) a questão inicial sobre a autonomia relativa do sujeito. O sujeito se constituía sempre em interação com objetos em uma relação dialética entre a consciencia e o inconsciente. A preocupação naquele século era com o domínio necessário dos instintos para uma melhor adaptação e com o conflito de descentramento do sujeito a partir dasuperação da presunção do ego de ser o amo em sua casa.” (Odgen, 1966, p. 24). Hoje, psicólogos e analistas ainda se perguntam sobre a liberdade relativa do sujeito ao construir seu sentido de identidade. A concepção de sujeito tem-se transformado e acompanha o desenvolvimento das teorias e técnicas no campo da psicanálise e da psicologia analítica. Segundo Ogden (1996, p.55), “a concepção analítica do sujeito foi tornando-se cada vez mais uma teoria da interdependência entre subjetividade e intersubjetividade.”

Do ponto de vista sociológicos-moderno, entendemos hoje a identidade como sendo móvel (Hall, 1992) e a cidadania não como mera obediência e adaptação à lei, mas sim como exercício ético do sujeito na tarefa de transformar-se, transformando também o seu entorno. Podemos pensar hoje a questão da responsabilidade do sujeito a partir de outra perspectiva, menos centrada na vontade do “eu” e  contendo uma dimensão ética.

 Segundo Jacques Derrida (2004, p. 211) o sujeito freudiano do século XIX que deveria obedecer à lei e domar seus instintos, hoje pode ser concebido para além de “uma intencionalidade consciente e egológica” onde o que comanda é o imperativo da vontade. O sujeito contemporâneo confronta-se com o caráter volátil das suas identificações, pois é convidado constantemente a enfrentar novos desafios.

Enquanto a identidade do sujeito no Iluminismo era considerada praticamente como advinda da natureza, a partir da noção de inconsciente na pós-modernidade, passa a ser entendida como uma construção durante toda a vida através da relação psicodinâmica entre a consciência e o inconsciente. A identidade e a autonomia do sujeito são instaladas junto à formulação dos próprios valores. Entende-se que o conflito entre a consciência e o inconsciente permanece durante toda a vida e que a identidade é resultado da criatividade do sujeito ao lidar não somente com suas contradições internas, como também com as contradições da sociedade que integra, construindo-se como sujeito ético.

 

“Atualmente, assiste-se ao mesmo tempo, de um lado, à consolidação de tudo que liga o direito, a política e a cidadania à soberania do “sujeito”, e, de outro lado, a uma possibilidade para o “sujeito” de se desconstruir, de ser desconstruído. Os dois movimentos são indissociáveis.” (Derrida & Roudinesco, 2004, p. 213)

 

A implicação dessa noção de sujeito para a questão da herança é que hoje entendemos que não herdamos um “sistema” pronto, seja ele ético, jurídico, político, uma ideia de Bem“, do “Direito” ou da “Cidade (da cidadania ou do Estado). Toda herança deve ser referenciada às “novas circunstâncias jurídicas, éticas e políticas ligadas à globalização” e à própria natureza do que entendemos por sujeito hoje. (Roudinesco, op. cit, 2004, p. 215).

Weber (2009, p. 129) ao discutir sobre o respaldo das decisões jurídicas através da história, demonstra que apenas uma decisão judicial oracular ou “primitiva” prescindiria de justificativas e comprovação de verdade, pois nela, ao se atribuir qualquer sentido jurídico a um fato faz-se uso de uma representação simbólica que é tomada como verdade a priori desconsiderando-se o papel do sujeito na criação da norma.

 O pensamento jurídico moderno introduz “a interpretação lógica do sentido” que implica a análise das motivações, propósitos, intenções e estado psíquico ao cometer-se um ato. Essa forma de pensamento introduz uma concepção de autoridade que não advém de um poder divino, e um sistema jurídico que não se apoia unicamente na tradição, pois entende-se que normas e valores são sistemas simbólicos de representação e que os valores não são inerentes aos fatos, pelo contrário, estão incluídos na subjetividade.

Essa nova concepção de autoridade contribuiu para as mudanças ocorridas nos papéis exercidos por homens e mulheres na família e na sociedade. Não há mais o chefe de família, e as responsabilidades de educar, gerir e sustentar uma dada família são compartilhadas entre os parceiros. Educar deixa de ser uma tarefa exercida em um eixo vertical e hierárquico para constituir tarefa diante da qual pais e filhos podem contribuir reciprocamente, agindo sobre o processo de individuação de ambos em um espaço relacional intersubjetivo.

De outro lado, homens e mulheres realocados na contemporaneidade de forma mais simétrica em relação a seus papéis e direitos na familia e na sociedade devem trabalhar em cooperação. Elisabeth Roudinesco lança o foco sobre o conflito atual entre mulheres que podem almejar ao poder em uma sociedade mais democrática e homens que devem sustentar a ferida narcísica de perda dos seus privilégios com a queda da familia patriarcal. Como equilibrar essas forças entre os gêneros no mundo atual  é uma questão que fica em aberto. 

 

 

 

 

Conceito de identidade no mundo contemporâneo: pós-modernidade e mudanças.

 

 

  No mundo contemporâneo a estrutura familiar tornou-se mais horizontal possibilitando uma maior simetria entre os membros e fazendo emergir novos tipos de conflitos. Os papéis exercidos por homens e mulheres na família e na sociedade também sofreram mudanças, não há mais a necessidade de haver um chefe de família, e as responsabilidades de prover, educar e gerir são exercidas por ambos os gêneros.

Nessa nova estrutura familiar o conflito de papéis entre homens e mulheres se reflete no excesso de autoridade conferida aos filhos e na ausência de limites bem estruturados pelos pais.  Outra questão é o conflito de identidade da população masculina que se vê hoje apartada das representações sociais que antes lhe conferiam identidade, o papel de provedores e de chefes de família. Sócrates Nolasco (2001) aponta para a mudança nas representações sociais que anteriormente conferiam identidade à população masculina como sendo um fator atual dos conflitos entre gêneros. O homem cuja identidade estava antes atrelada a referências patriarcais de autoridade, liderança e chefia, vê-se ameaçado em uma sociedade onde o desafio reservado ao masculino é manter a autoestima em um relacionamento que pressupõe cooperação e parceria entre homens e mulheres.

O princípio de autoridade como mando-obediência deve ceder lugar ao diálogo e a alteridade onde qualquer tipo de autoridade só pode ser legitimado pelo mérito que, por sua vez, depende do reconhecimento dessa autoridade pelo outro. Segundo Nolasco, a violência do homem contemporâneo surge como último recurso para resgatar o sentido de identidade perdido com as transformações operadas nas representações sociais que constituíam a antiga referência para sua identidade. Nessa perspectiva, o conflito entre homens e mulheres pode ser entendido atualmente como um apego desesperado às antigas referências de papéis masculinos e femininos, e à falta de um sentido de liberdade e de autonomia para buscar novas referências que se adequem às demandas sociais e às características de cada indivíduo. (Nolasco, 2001).

Además, no mundo corporativo, tem-se instalado um sentido de urgência e imediatismo que prejudica a identidade do sujeito e seu espaço individual no mundo dos negócios. Exemplo disso, o impasse de alguns fundadores que temendo a perda do poder, permanecem na infantilização dos filhos, negando-se, por exemplo, a efetivamente prepará-los para tornarem-se aptos a assumir a empresa familiar, seja como gestores ou como sócios controladores. Nessas circunstâncias, o poder[10] deixa de ser entendido como capacidade e competência de ação e de realização (poder para) para significar o simples exercício da força e de domínio sobre o outro (poder sobre). 

            O conflito de identidade contemporâneo perpassa o exercício dos papéis de pai, mãe, filhos e avós. O amadurecimento psíquico requer um ambiente que propicie a elaboração de conflitos, onde sejam consideradas as competências individuais e acolhidas as dificuldades, mas onde também sejam estruturados limites. Educar é uma via de mão-dupla, em que país e filhos se recriam a cada instante em uma dialética interativa que envolve seus afetos. Não se trata apenas de transmitir noções, conhecimentos e valores, mas interagir com as percepções, sentimentos e potenciais do outro, criando novos valores. É também um espaço simbólico de reparação de conflitos e de resignificação de vivências.

 

 

(…) Cuidando de um bebê e criando um filho, os país recapitulam sua própria infância. Ao fazê-lo, surge a oportunidade de reviver e resolver com o filho os fracassos ou desvios de desenvolvimento resultantes de seu próprio passado. (Forham, M, op. cit, 1994, p. 121)

 

 

 De acordo com uma perspectiva educacional de alteridade, pais e filhos se transformam através de um relacionamento que permite o diálogo. O difícil é nos desapegarmos das projeções recíprocas de nossas expectativas, como pais ou filhos, para empreendermos nossas escolhas. A história e o tempo dos pais não pode ser imposta ao filho como mera continuidade. E assim como os pais devem sacrificar suas expectativas em relação aos filhos, estes devem desidealizar os pais na busca da autonomia de ambos os lados. Para tanto é muito importante que os pais apareçam como falíveis aos olhos dos filhos e que estes possam tolerar suas frustrações e conviver com os próprios limites. No entanto, não se trata apenas de limites pessoais. Há diversas externalidades que influenciam nossas escolhas e determinam nosso campo ação. Em verdade, não há como tomar decisões desresponsabilizadas em uma sociedade em rede (Castells, 2012). A Globalização e o desenvolvimento da comunicação tem tido papel fundamental na transformação das identidades exatamente por alterar e expandir o campo de ação, modificando também as referências através das quais o sujeito se define continuamente.

 

 

Globalização e Identidade

 

No mundo globalizado, experimentamos o contraste entre o desenvolvimento tecnológico, que amplia opções e estreita distâncias, e a falta de sustentabilidade da ação e da diversidade humana no planeta. O que acontece no Oriente afeta o Ocidente como se vivêssemos em uma aldeia e vice-versa. Por outro lado,  a aldeia global, conceito de Macluhan (2003), traz à luz as contradições do processo de globalização. A possibilidade de comunicação advinda da nova tecnología põe em segundo plano na consciência coletiva diferenças que apontam para a necessidade de um novo entendimento de cultura e de sujeito. Aderimos à uma cultura de massa e acreditamos estar falando a mesma língua, compartilharmos símbolos comuns, mas nos detemos pouco em analisar as diferenças. O mundo globalizado demanda novos símbolos que atendam às necessidades sociais atuais, tais como os novos padrões de relacionamento e as estruturas sociológicas emergentes ligadas aos conceitos de identidade e cultura. A ideia de uma sociedade globalizada na forma de uma grande aldeia esconde dissociações e fraturas sociais como, por exemplo, a desigualdade social.

O conflito de identidade contemporâneo acompanha, ainda, a mudança do papel exercido pelo Estado e pela família na vida dos indivíduos. O Estado oferece cada vez menos segurança, educação e saúde de qualidade aos cidadãos. Funções primordialmente estatais são apropriadas pelo setor privado muitas vezes por omissão do Estado, analogamente, algumas das funções que deveriam ser exercidas pela família são delegadas a terceiros. A responsabilidade da educação e dos cuidados primários com as crianças é prematuramente tercerizada à escola, que idealmente dependeria da participação ativa dos pais para promover e consolidar a educação dos filhos. [Nd4]

Arendt nos alerta sobre a omissão das instituições em relação ao seu papel quando deixam de responder às suas responsabilidades e aponta o anonimato como flagrante forma de dominação que tira dos sujeitos o direito à cidadania.

 

 

Se, de acordo com o pensamento político tradicional, identificarmos a tirania com o governo que não presta contas a respeito de si mesmo, então o dominio de Ninguém é claramente o mais tirânico de todos, pois aí não há a quem se possa questionar para que responda pelo que está sendo feito. (Arendt, 2009, p. 55).

 

 

O anonimato na responsabilidade institucional concorre com a busca de identidade do indivíduo. A Globalização não pressupõe a simetria de valores entre diferentes culturas. Fica claro neste processo quais valores são atualmente prevalentes em uma cultura e quais são dominados e carecem de representação balanceada nos meios de comunicação e na consciência coletiva. Globalização é também um produto, uma tendência carregada de valor ideológico, e que no entanto, é vendida como tendência natural enquanto é cuidadosamente gerenciada. Não é possível pensar esse processo como um processo totalmente livre, ou neutro. Segundo Fernando Alcoforado (2013) a sociedade conectada e integrada promove uma relativização” dos significados que ao contrário de propiciar a integração das diferenças promove a falta de fé no futuro e o neo-fundamentalismo que, segundo Morin,  consiste na “vontade de desenraizar e  de regressar à fonte do próprio príncípio da tradição perdida”. (Morin apud Alcoforado, pag. 7)

Devido a esse desenraizamento ou descentramento do sujeito contemporâneo, a cultura nacional de onde nascemos é umas das principais fontes da identidade cultural  e emerge como abrigo para um sentimento coletivo de perda de identidade. O sujeito moderno experimentaria uma falta de fé no futuro de onde emergeria o desejo de reenraizamento: de retorno às raízes para recuperar a identidade perdida.

 Porém, o sujeito da sociedade globalizada-se diante de múltiplas e voláteis referências para o reconhecimento de sua identidade e, desta feita, está sendo convidado a uma constante adaptação frente a fluidez dos laços e das novas representações de papéis sociais. Desta forma, é requerido a cada indivíduo “o exercício do seu próprio limite que, segundo Jorge Forbes, hoje é entendido como vindo menos da “natureza”, como era no período Iluminista, do que da própria escolha responsável”. (Forbes, 2003, p. 49).

Finalmente, a busca da própria identidade se torna complexa frente ao aumento da desigualdade social e ao enfraquecimento dos sentidos de segurança e de estabilidade, mantendo-se hoje, a duras penas, através de uma “política de controle e opressão” (Baumann, 2009, p. 9). Esse argumento de Baumann converge para a visão de Arendt a respeito das mudanças ocorridas nas concepções de poder e de lei. O processo de globalização contribuiu para o desenvolvimento do capitalismo. Porém, não se refletiu em uma maior simetria entre culturas e indivíduos. A segurança que no século XIX era entendida como a possibilidade de programar o futuro através de administração sadia dos bens, e do viver em harmonia com os valores e normas de uma sociedade, a partir do processo globalizatório e ao final do século XX  é sucedida por um clima de insegurança e incerteza. A crescente desigualdade social que separa cada vez mais ricos e pobres em relação a oportunidades, o enfraquecimento do estado social, e as novas relações entre os gêneros, abalaram o sentido coletivo de solidariedade que foi substituído pela competição e intolerância. (Baumann. 2009, p.21) Hoje o temor da exclusão é também o da perda da identidade em um mundo em que se polarizam cada vez mais as diferenças sociais e em que o poder se confunde com o ter domínio sobre o outro.

 

“A corrosão e dissolução dos laços comunitarios nos transformaram, sem pedir nossa aprovação, em individuos de jure (de direito); mas circunstancias opressivas e persistentes dificultam que alcancemos o status implícito de individuos de facto (de fato).” (Baumann op. cit.p. 21).

 

O status de indivíduos de fato poderá ser perseguido através de um investimento  individual nas relações e nos vínculos e da criação de novas instituições sociais que nos representem.  O conflito de identidade do homem contemporâneo poderia ser representado pela imagem simbólica da fábula, as facetas de príncipe e de mendigo” que há em cada homem, expressão da dissociação entre a idéia de ”supervalorização do indivíduo a partir da posse de bens materiais (Castells apud Baumann, op. cit, 2009) de um lado, e da fragilidade experimentada  pelo sujeito que se vê destituído das referências sociais  que antes lhe conferiam identidade e sentido de pertencimento: seu papel na familia, no trabalho ou na comunidade que se encontram  abalados pela insegurança do cotidiano.

 

 

 

Alienação do papel da familia

 

 

Nesse contexto, é fundamental se direcionar o foco sobre a família contemporânea ocidental, que sofre hoje os efeitos de uma “atitude positivista” por parte de uma vertente do pensamento científico, presente também nas políticas pública e privada, nas organizações e instituições que tentam administrar a transformação e suposta desordem familiar, por meio de medidas que muitas vezes mais favorecem do que previnem a dissociação e ruptura das relações. (Roudinesco, 2002, p.157). Um exemplo dessa atitude é a negação das diferenças em planejamento educativo ou em planos de sucessão baseados apenas no critério de herança material e na lei.

Desde a queda da família patriarcal e autoritária do século XIX, viu-se emergir uma estrutura familiar mais horizontal e assiste-se hoje a uma multiplicidade de tipos de organização familiar: monoparental, reconstituída, homoparental, desconstruída, agregada, etc. O processo de transformação da família  é acompanhado do conflito de identidade que perpassa o exercício dos papéis. As referências fraternas, a busca de modelo nos pares, ocupa o lugar da antes valorizada referência do eixo vertical das relações cuja essência era a autoridade dos pais, o poder do Estado e a supremacia do divino. Essas mudanças implicam uma revisão dos conceitos de autoridade, liderança e poder

   O fato é que o indivíduo autônomo e a sociedade autônoma devem caminhar juntos. A responsabilidade dos indivíduos deve se acompanhar da responsabilidade institucional, as questões públicas devem dialogar com os problemas privados. E o papel da lei  deve ser garantir a liberdade e segurança dos indivíduos e da sociedade. O que ocorre na contemporaneidade é que “o poder hoje é global e extraterritorial; a política é territorial e local”. Nessa medida, segundo Baumann, assistimos a um divórcio entre poder e política. (Baumann, 2008, p.253)

O processo de globalização interligou o mundo e difundiu características culturais, econômicas, políticas o que possibilitou a internacionalização da economía e o dominio capitalista do mundo (poder global e extraterritorial). Os novos meios de comunicação e a tecnología garantiram um intercâmbio entre diferentes culturas criando a possibilidade de uma comunicação para além das fronteiras territoriais. Porém, esse processo não anulou as diferenças culturais e políticas entre nações e o sujeito vive um descentramento em relação às suas raízes  Esse é o divórcio entre poder e política a que Baumann se refere.  

 

 

Autonomia versus segurança – Nova familia e conflito de identidade.

 

Sempre existiram conflitos de poder no ambiente familiar. Portanto, para compreender os conflitos intrafamiliares, deve-se levar em conta o percurso: a história individual e as mudanças sociais que determinaram os padrões de relacionamento no contexto familiar.

No século XIX o conflito de identidade do indivíduo era marcado pela díade apego à tradição, como paradigma de segurança, versus o conceito de liberdade vigente que se articulava a uma confrontação dos valores hegemônicos da sociedade patriarcal: o principio hierárquico de autoridade, a segurança através da preservação da herança material mesmo que em detrimento da liberdade e da identidade  do sujeito.[11] Havia uma primazia dada à segurança[C6]. em detrimento da liberdade.

Na contemporaneidade, claramente sacrifica-se a segurança em prol da liberdade e da satisfação individual. Não tememos mais a autoridade baseada em um sentido hierárquico mas sim a perda do próprio lugar frente à ameaça de perda das referências. Nesse sentido, torna-se necessário transformar o mandato da satisfação imediata e do consumo utilitário das relações através de uma nova ética que privilegie a alteridade também nas relações dentro da familia[C7].

 Vivemos uma perda simbólica, uma perda de significado. Perdemos o contato com nossos ritos como forma de elaboração de conflitos e o desrespeito às diferenças instalado na consciência coletiva mantém a confusão de papéis na família e na comunidade[12]As diferenças na sociedade globalizada são tratadas de forma paradoxal. Ora negadas pela possibilidade de maior comunicação instalada pela tecnologia, ora acentuadas na consciência coletiva como garantia da identidade do sujeito, levando a posições fundamentalistas ou meramente individualistas.

A partir do debilitamento do poder patriarcal na família, evidencia-se que quando é necessário exercer  limites, emerge o sentimento de insegurança relativo à autoridade do pai e à ausência de parâmetros claros de adequação. A defesa frente ao sentimento de insegurança é a busca de uma solução onipotente salvadora. Ocorre também a omissão que verificamos na dificuldade da população jovem em empenhar-se na direção de seus objetivos  devido a um descrédito na tradição e herança. Há um conflito relativo à lei paterna como modelo de segurança e estabilidade, derivando no caráter volátil das escolhas na contemporaneidade.

Nesse contexto, a psicología analítica pode contribuir sobremaneira com a análise dos mitos familiares, como por exemplo, a análise simbólica da função paterna para o melhor entendimento dos conflitos de sucessão. Luigi Zoja, analista junguiano, analisa o que ocorreu com o “gesto sagrado” do pai que na Ilíada eleva o filho ao céu rogando a proteção do divino. Pergunta- se sobre “o que houve com aquele gesto e aquelas palavras durante o século XX. […] A elevação do filho, sua benção e sua iniciação falam de uma necessidade idêntica de verter a vida, do ponto de vista jurídico, teológico e antropológico.” (Zoja, 2005, p. 237).

Segundo o autor, o rito da benção paterna inclui o filho, antes imerso simbolicamente na matéria (na natureza)[13], na dimensão espiritual de sua vida através do reconhecimento do filho pelo pai  como herdeiro do projeto paterno. Esse mesmo rito “requer uma capacidade simbólica.” (Zoja, op. cit, p. 238)

Segundo Galiás (Galiás, 2009), os vínculos intrafamiliares, parentais, filiais e fraternos são matrizes do potencial da psique. A autora enfatiza a importância da elaboração saudável da “idealização cruzada”, ou seja, pais idealizam filhos e filhos idealizam pais para que se construam autoestima e identidade do pai, mãe e dos filhos. Por outro lado, para que se garanta a formação de uma identidade saudável do filho é necessário que haja um processo mútuo de idealização e de desidealização da díade pais e filhos.

 Como dito no inicio desse artigo, nossa autoestima se constrói a partir das confirmações afetivas que recebemos durante toda nossa vida. Da mesma forma, a experiência da exclusão, trama da elaboração dos complexos paterno e materno[14], será saudável se os vínculos entre pai e filho, mãe e filho, mãe e pai forem preservados em sua independência e integridade. Só dessa maneira, o filho poderá experimentar a própria exclusão da díade pai e mãe sem que a identifique como rejeição e sem que se abale seu sentido de segurança.

 

 

[…] o homem sempre associou instintivamente aos pais (pai e mãe), o casal divino preexistente na figura do god-father e god-mother do recém-nascido, a fim de que esse último nunca se esqueça, quer por inconsciência, quer por um racionalismo míope, de conferir aos pais um caráter divino. (Jung, 2003, p.102)

 

 

 

          Conflitos de poder na familia

 

 

Devemos procurar ir aos fatos na análise das relações de poder na família e para isso a equipe multidisciplinar é determinante para que não se imponha uma só perspectiva na solução de determinado problema. Diversos enfoques fazem-se necessários assim como a objetividade na análise de forma que o profissional não se deixe enredar pela trama vivida pelo grupo familiar.

Em uma crise familiar todos falam o mesmo idioma mas não se comunicam. Buscam uma explicação para seus males que os exima do sentimento interno de ameaça de ruptura e, nesse contexto, há uma tendência à projeção dos conflitos internos no outro ou para fora da família. A integração dos conflitos na consciência do grupo, através de um processo reflexivo se faz então necessária.

Carl Jung salienta a importância dos ritos sacrificiais, do sacrifício simbólico para o desenvolvimento da consciência humana. Para Jung (1986) a vontade egóica deve dar lugar aos significados e anseios mais profundos do Self[15] para que haja desenvolvimento psíquico e transformação psíquica. No sacrifício simbólico a consciência deve renunciar à posse e ao poder a favor de valores maiores que possibilitem uma transformação do sujeito.

Na dinâmica psicológica do bode expiatório um membro poderá ser eleito como vítima sacrificial que libertará a familia de seus conflitos. Esse sacrificio dissociado de sua função simbólica aparece nas formas de controle e opressão dirigidos a um membro identificado como ameaça pelo grupo. Observamos também esse mecanismo nos casos de sucessão em empresas familiares.

Na maioria dos casos a família aqui vista como um sistema de relações, é cúmplice no  pacto de silêncio a ser mantido sobre os conflitos e segredos familiares. Em alguns casos, os membros estão tão fundidos que não se diferenciam e têm uma imagem idealizada da família cuja identidade não pode ser tocada.    

Quando o poder legítimo perde a força, quando os rituais grupais já não funcionam e não há uma lei para conter os conflitos, instala-se o sentimento de insegurança e de ameaça de aniquilação no grupo. O abuso de poder revela a fragilidade dos vínculos grupais e o pacto de silêncio e negação do conflito pode ser o único recurso visualizado para manter o status quo do grupo.

Conforme já dissemos, vive-se hoje o conflito entre liberdade e segurança. Opta-se por uma menor segurança em prol de uma suposta liberdade que, por sua vez, reflete uma dificuldade de se lidar com frustrações. No século XIX Freud já nos alertava para o conflito entre a satisfação individual e a preservação da união do grupo[16]. Na sociedade patriarcal apostava-se mais na segurança e menos na liberdade e criatividade individual. Havia uma ênfase no caráter destrutivo presente na vivência irrefreada do desejo. Na contemporaneidade vivemos uma idealização da possibilidade de satisfação e uma intolerância à frustração. Jovens desistem rapidamente de seus projetos à primeira decepção.

Torna-se necessário o  sacrificio da onipotência do eu em um mundo onde o mandato é a satisfação imediata e há também uma atitude consumista das relações. Cabe aos pais abdicar da ilusão onipotente de poder satisfazer a todos os desejos dos filhos a favor de uma maior dignidade conferida ao conflito e ao sofrimento, inerentes ao amadurecimento dos seres humanos. Redefinindo-se as responsabilidades entre pais e filhos poderíamos pensar em um resgate do poder legítimo, ou seja, a restituição a cada membro da familia de seu espaço de ação, de forma construtiva e na sua esfera de competência.

 

 

 

 

 

Identidade na empresa e sucessão 

  

 

Em uma empresa familiar há dois sistemas que se interseccionam de diferentes maneiras: a empresa e a família. A forma como cada um dos integrantes interage nesses sistemas e por eles são afetados é questão-chave para os que trabalham na mediação de conflitos em processos de sucessão empresarial.

Kets de Vries, Carlock e Florent-Tracy no livro A empresa familiar no divã ressaltam a importância de um enfoque das questões psicológicas envolvidas nos problemas enfrentados por uma empresa familiar. Esses fatores emocionais são de mais difícil acesso à consciencia. Privilegiam-se então aspectos racionais e logísticos em detrimento de uma compreensão mais ampla do problema.

 

O que faz parecer intratáveis muitos dos problemas da empresa familiar não são aspectos empresariais, mas as questões emocionais que os compõem […] Os meios consagrados para avaliar e entender o desempenho dos negócios servem únicamente para explicar o empreendimento familiar em seu aspectoceliabrandao.com/novo/wp-admin. O restante só virá à luz explorando-se as motivações conscientes e inconscientes que guiam as ações de cada um de seus integrantes. (Vries, 2009 )

 

 

Explorar as motivações inconscientes dos atores em conflito em um processo de sucessão envolve também a análise das relações na familia e na empresa familiar. Cabe também uma reflexão sobre os conflitos emocionais envolvidos no exercício dos papéis na familia e uma análise das projeções e identificações entre papéis exercidos na familia e papéis exercidos na empresa presentes no inconsciente grupal.

Dentre as questões emergentes nesse contexto, propomos: Estaríamos diante de um retorno ao modelo patriarcal de liderança, este último reativo à ameaça de perda de poder, quando um fundador afirma não querer profissionalizar sua empresa, não querer distribuir ações aos filhos, ou seja, não consegue elaborar que necessariamente será sucedido e, então, não facilita o processo sucessório?

  Na sociedade contemporânea, ao falarmos da função paterna nos deparamos com situações intermediárias que definem a figura do pai ausente e da mãe que exerce duplo papel: mães que são chefes de família, mães que têm uma carreira, cujos filhos possuem expectativas complexas: mães que sofrem do paradoxo do pai”.[17] (Zoja, 2005, p. 20) Essas mães exercem o papel de provedoras e educadoras, ao mesmo tempo em que delas é esperado o exercício da função do aconchego e dedicação ao mundo doméstico.[18]

O paradoxo do pai, segundo Zoja se refere ao fato de que ser pai é cumprir a função arquetípica de superar a natureza cujo caminho está sempre em construção e em algum momento deverá implicar sua sucessão pelo filho. Dessa forma, a insegurança do pai no exercício de seu papel é também experimentada pelo filho, na forma de expectativas e sentimentos ambivalentes de ser protegido e de não sucumbir à autoridade paterna, para poder sucedê-lo de forma adequada.

O princípio psicológico paterno representa a consciência em movimento cuja transformação resulta na construção da lei. Enquanto o filho cresce e se desenvolve, o pai experimenta a ação corrosiva do tempo, que promove o envelhecimento e antecipa a consciência de sua morte. Este é o conflito entre o puer e o senex, arquétipos do jovem e do velho. Há, ainda assim, algo que se mantém constante no processo de mudança no inconsciente coletivo: o papel do pai enquanto espírito transformador e reconciliador entre gerações no âmbito da construção de valores.

Em um conflito de gerações uma criança interna infeliz tanto no filho quanto no pai que deve ser ouvida. Para esse intuito se faz necessário refletir sobre os modelos parentais (do pai e da mãe) presentes no psiquismo do filho e conceber uma nova perspectiva de análise da relação.

Em todo processo de sucessão familiar ocorrem conflitos relativos aos papéis: paterno, materno e fraterno. Na sociedade patriarcal, a função social do homem era de proteger, prover e defender a família. No mundo contemporâneo, essa função deixa de ser considerada na mesma perspectiva frente às novas demandas de uma sociedade orientada pela ciência e pela exacerbação de valores individuais. Diz Zoja “que o gesto e a prece de Heitor não foram esquecidos, mas sim entendidos sob uma ótica materialista.” (Zoja, 2005, p. 239).

Introduzir o filho na sociedade perdeu sua dimensão simbólica de atendimento às demandas psicológicas da natureza do filho e passou a ter como protótipo a herança de bens materiais paternos e o caminho do sucesso. A dissociação entre o valor simbólico da herança e sua dimensão material se faz presente nos planos de carreira e de sucessão cujo critério define-se na defesa do patrimônio e promoção social do filho, sem que se considerem os valores e motivações mais íntimas do herdeiro.

Assim como cabe ao pai transmitir sua herança, cabe ao filho recebê-la como ritual de passagem que o tornará homem adulto. Mas essa herança é simbólica, e idealmente deve representar a permissão do pai para que siga seu projeto de vida pessoal a partir da herança paterna. No entanto, a partir do enfraquecimento da figura paterna como único modelo de referência, “os modelos de vida não são encontrados verticalmente nos pais (mas horizontalmente nos outros jovens) e as rivalidades, ao contrário, não deverão mais se manifestar entre os companheiros, mas na relação ascendente com os genitores”. Essa maior simetria entre pais e filhos, enfraquece o sentido de autoridade, o que implica uma dificuldade em se assimilar e transmitir valores. O conflito com os pais assume a característica de uma rivalidade entre pares. O empobrecimento dos símbolos e das representações que conferiam ao pai identidade espelha-se nessa frase de Zoja[…] o pai foi reduzido daquele que dá a benção àquele que dá os bens”. (Zoja, op. cit, p. 242).  Diante desses fatos, pergunta-se em que medida hoje o mito pessoal se conecta com o sagrado, com o querer mais profundo do indivíduo?

Kohut assinala a importância da boa autoestima dos pais e do trabalho com suas idealizações para que o filho possa construir um sentido de identidade coeso e uma boa autoestima. Acrescenta que a pesquisa dos distúrbios de autoestima de filhos de homens ilustres deveria ser feita a partir de uma reflexão sobre os aspectos criativos da personalidade do pai e não apenas segundo critérios gerais de competição, sucesso ou de fracasso.

 

 

Pais ideais, novamente eu diria, de preferência: pais que falharam de modo ideal – são pessoas que, apesar de sua estimulação pela geração nascente e da competição com esta, também estão em contato suficiente com o pulsar da vida, aceitam-se o suficiente como participantes transitórios no fluxo contínuo da vida, para serem capazes de experimentar o crescimento da geração seguinte com uma alegria não defensiva, não forçada. (Kohut, 1988, p. 183).

 

Por outro lado, a falta de tolerância com o novo e a não aceitação da perda de lugares como parte do processo de transformação transgeracional propiciam atos violentos em que a alteridade é ignorada. As várias formas de conflito intrafamiliar podem ser entendidas à luz da qualidade da estruturação de papéis e da qualidade dos vínculos: do apego patológico à capacidade de desapego, do abandono à superproteção. A qualidade ideal do vínculo, segundo os autores Kohut e Galiás passa pela desidealização recíproca, entre pais e filhos, sem a qual não será possível a construção de uma identidade independente e coesa. Dessa forma, pais e filhos são importantes de forma cruzada no desenvolvimento recíproco – “O mesmo poder que os pais têm de influenciar a estruturação da personalidade dos filhos também os filhos têm sobre a dos pais. (Galiás, 2003, p. 75).

Gilles Deleuze e Felix Guatarri (1972, p. 286)  apontam “o primado da influência do campo social no qual tanto o pai, como o filho, como a família, enquanto subconjuntos estão simultaneamente imersos. Salientam que o “primado do campo social como termo do investimento do desejo define o ciclo e os estados por que passa um sujeito.”

 

“Quando dizemos que o pai é anterior ao filho, esta proposição, que em si mesma não tem qualquer sentido, quer dizer concretamente: os investimentos sociais são anteriores aos investimentos familiares, que são apenas fruto da aplicação ou do rebatimento dos primeiros.” (Deleuze e Guatarri, 1972, op. cit. p. 286)

 

Os autores dão especial atenção à importância do campo social na comunicação entre pais e filhos, assim como Carl Jung lança um olhar para a herança cultural na elaboração da teoria do inconsciente coletivo[19], em especial para a análise do processo de individuação[20]. Mas, enquanto aqueles enfatizam a necessidade de que o filho remova de dentro de si a hegemonia do desejo inconsciente do pai e da mãe para se diferenciar e se constituir como indivíduo, Jung propôs a existência de uma base identitária primária comum entre pais e filhos, a partir da qual se comunicam os inconscientes na construção da identidade futura do filho. Nesse sentido, se complementam a proposta de Galiás sobre os processos de identificação, idealização e desidealização cruzada como necessários ao processo de individuação de pais e filhos, e a de Deleuze e Guatarri de que “a família nunca é determinante, mas unicamente determinada como estímulo de partida, em seguida como conjunto de chegada e, por fim, como intermediário ou intercepção de comunicação.” (Deleuze e Guatarri, 1972, op. cit. p. 288)

De que processo é a família intermediária? Na tragédia de Sófocles, Édipo protagoniza a busca humana de se saber de onde se vem e trás a dimensão trágica da existência de não se poder “escapar do passado, da vida submersa que o torna o que você é ”(Goldhill, 2007, p. 275).

 

“O drama mais chocante de Édipo não é o fato de termos de observar um homem chegar à conclusão de que assassinou o pai e deitou com a mãe, não importa quão brutal e doloroso isso possa ser. O mais chocante é a insistente e perturbadora declaração feita pela peça de que é no exato momento em que você pensa que sabe de onde vem e quem você é que está mais predisposto a enganar-se a si mesmo. “(Goldhill, 2007, p. 274).

O autor destaca a importância do mito desde a Grécia antiga na construção da história de uma cultura e da busca de identidade de um povo, a relação entre mito e história. Nessa perspectiva, trabalhar com as questões, os mitos e conflitos relativos à busca da identidade de um grupo, sendo desta feita esse grupo uma empresa familiar, passa a ser o fulcrum do trabalho em processos sucessórios.

 

  Herança hoje – A mediação de um rito de passagem.

 

Em qualquer processo sucessório é preciso investigar as relações de poder que perpassam as feridas familiares, o que não consiste apenas na busca dos elementos comuns entre as diferenças, tampouco apenas no exercício de autodomínio de cada um para que a totalidade comum prevaleça, mas sim em um processo de mudança de atitude e comportamento[21]que envolve um sistema de relações.

Jung denominou “individuação, ao processo de desenvolvimento no qual confluem forças e elementos potenciais da personalidade que buscam sua integração na consciência individual e coletiva. O cuidado com a individuação exige a prática da alteridade, que só é possível para o indivíduo que compreende na existência do outro uma premissa para a própria existência. Apenas assim é possível estabelecer um diálogo ou qualquer meta conjunta. Para que haja uma comunicação do grupo é preciso cuidar de cada individualidade mas sem que se perca as necessidades do coletivo.  Tratando-se de grupo em conflito, pode ser necessária a presença de um mediador. O diálogo assistido por um profissional mediador antes de qualquer análise interpretativa e um diagnóstico final pode ser decisivo para uma solução equilibrada e racional. Não cabe ao mediador fornecer soluções antes mesmo que os sentimentos e emoções grupais sejam compreendidos. Mediar é facilitar o diálogo entre diferenças mas sem perder de vista os dados objetivos da negociação.

Por outro lado, as opções realistas oferecidas pela identidade da empresa devem ser confrontadas com as metas e sonhos individuais. Os rituais e mitos grupais deverão ser expostos pelo grupo para posteriormente serem analisados a favor de uma melhor comunicação entre seus membros. Conhecer e cultivar a própria história, da familia e da empresa  é ferramenta útil para envolver os herdeiros e futuros acionistas no compromisso quanto aos destinos da empresa. Cada herdeiro deve se ver como um possível ativo que poderá agregar valor ao negócio a partir do seu esforço e competência. Caso contrário, terá que conviver com sua exclusão do negócio.

É tarefa do mediador de conflitos estimular no grupo o exercício da alteridade através  da  prática da reversibilidade em seus pontos de vista. Mediar é passar-se entre dois fatos ou duas épocas e interceder acerca de um conflito. Toda solução de conflito envolve alguma perda, luto ou sacrifício e, portanto, não há solução que satisfaça a todos ao mesmo tempo. O herdeiro, a partir principalmente da segunda geração, não é a figura que engloba simplesmente os objetivos, metas e filosofía do fundador ou dono da empresa. Portanto, formar uma familia empresária entre os herdeiros é unir competências a necessidades objetivas e não mera transferência do mando, de liderança e de propriedade.

 Kets de Vrais (2009) destaca aspectos do roteiro familiar particularmente esclarecedores no tocante aos valores e a ética de uma empresa familiar: a análise das funções em diferentes idades e diferentes sexos, da estrutura de poder e de tomada de decisões, da forma de comunicação e natureza dos conflitos e da díade vínculo versus autonomia.

Esses fatores são enfocados pelo autor tendo em vista a família e a empresa como sistemas cujo funcionamento só pode ser entendido na relação com o todo, assim como a contemplação sobre o todo depende da análise das partes. A visão sistêmica em psicologia entende que toda mudança individual em um grupo deve se propagar e provocar mudanças em todo sistema. Nesse sentido é necessário que todo o grupo reconheça a necessidade de mudança para que se dê uma busca efetiva de estratégias e soluções para os conflitos.

Os roteiros, mitos e regras familiares nos contam a história simbólica da família e da empresa familiar. Vries usa muitas vezes a palavra mito como sinônimo de tabu. Entendemos mito como o conjunto de representações simbólicas, porta-vozes dos significados mais profundos, valores que regem as relações dentro de um grupo com suas questões internas, presentes na história que o grupo conta sobre si mesmo. Um exemplo é o mito presente no pai idealizado e infalível. Esse pai que se sente como insubstituível também é visto pelo filho como um modelo inatingível: “Ser o sucessor de um pai formidável pode ser um fardo pesado demais para carregar.” (Kets de Vrais et al, 2009, p. 153).

 Um outro exemplo frequente nas tramas familiares é a inclusão simbólica de um terceiro em um conflito entre duas partes ou seja, a busca de um equilíbrio através da eleição de um terceiro para diluir o nível de tensão existente entre dois. Exemplo desse mecanismo é a aliança entre dois filhos para que se faça um confronto de um fator de discordância em relação ao pai ou, então, união entre os pais para confrontar um problema com o filho. Como toda eleição de um bode espiatório envolve um mecanismo de projeção, alguns males podem deixar de ser confrontados  em cada um dos indivíduos  o que poderá ter consequências negativas no equilíbrio grupal. (Ketz de Vries, 2009).

A tarefa do psicólogo, consultor ou mediador envolve empatia para que possa facilitar a vivência dos sentimentos grupais sem se deixar enredar subjetivamente como parte do conflito. Em um conflito onde se instala esse modo de triangulação” o profissional poderá ser o próximo a ser convidado ao lugar de bode espiatório ou de alvo das projeções. Quanto mais abusivo e violento o nível de conflito, mais arbitrárias deverão ser  as projeções dos problemas para fora do contexto grupal.

O profissional será alvo de projeções onde poderá ocupar simlicamente os lugares de filho problema, pai autoritário, mãe omissa, irmão invejoso, primo ambicioso, agregado invasivo e etc. Da mesma forma, o líder identificado em uma sucessão poderá ser alvo de projeções dos conteúdos emocionais vivenciados pelas partes em litígio incluindo seus subordinados. Poderá, por exemplo experimentar a rejeição do grupo que vive a ameaça de falência ou de perda.  O isolamento autoimpositivo ou uma atitude autoritária para a manutenção de seu lugar como líder pode enfraquecer o exercício da liderança ao ignorar partes do sistema.

               O que garante ao líder sua autoridade é antes de tudo o seu reconhecimento como tal pelo grupo. Um pai que esteja transferindo a liderança da empresa para um de seus filhos pode experimentar sentimento de perda e luto ao deixar o lugar que ocupou por tanto tempo. Esses sentimentos não elaborados podem determinar uma conduta de infantilização do herdeiro que, deixando de ser aprovado pelo pai, por um mecanismo de identificação  com a avaliação paterna, passa a se comportar como incapaz.

Uma outra possibilidade é o indivíduo em cargo de liderança que recebe as projeções dos ideais onipotentes e das expectativas do grupo empresarial e passa a agir de forma onipotente e auto-centrada ignorando os limites de sua ação. Essa onipotência apresenta-se não raro como um não reconhecimento do legado e do caminho já percorrido como uma das referências a serem consideradas na sua gestão. Comporta-se como um pioneiro e não como continuador e herdeiro de um legado.

Os conflitos não resolvidos na díade país e filhos  em uma familia poderão se apresentar também nos herdeiros em uma empresa familiar na forma de resistência ao processo de sucessão, quando este for identificado como ameaça à autonomia e à identidade pessoal por gerações em uma empresa familiar. Para escapar a esse ciclo o herdeiro gestor deverá lidar com seus sentimentos de culpa ao precisar excluir um membro familiar da gestão da empresa, assim como como enfrentar as próprias dificuldades, sucessos e fracassos.

 

Indivíduos que jamais aprenderam a diferenciar-se têm dificuldade para separar seus pensamentos e sentimentos daqueles da família como um todo, com sérias consequências sobre todas as áreas de sua vida. (Kets de Vries et al, 2009, p. 190).

 

Toda herança se constitui como um benefício recebido mas também envolve uma responsabilidade que é a preservação e administração do patrimônio herdado que vai reconstruir esse legado dentro de uma nova configuração.

 

Herança, crise e transformação.

 

Vivemos uma crise de nossas instituições na contemporaneidade. Manifestações populares clamam em diferentes cantos do mundo por justiça social e verdadeira democracia.  Em todos as manifestações populares ocorridas recentemente no Brasil foram rechaçados os orgãos oficiais de representação política, a mídia oficial, lideranças  formais, transferindo-se para a rede informal o debate sobre os acontecimentos. Há uma descrença nas instituições formais.

Segundo Manuel Castells  (Castells, p.23, 2012), “muitos poucos sistemas institucionais podem perdurar se se baseiam exclusivamente na coação”. A grande transformação operada pela nova tecnología da informação é a socialização da informação que permite a cada indivíduo a construção dos próprios significados e interfere nas relações de poder. Segundo o autor, “quanto mais interativa e autoconfigurável seja a comunicação, menos hierárquica é a organização e mais participativo o movimento.” (Castells, op.cot, p.32)

Quando o poder de uma instituição ou organização se vê ameaçado,  seja essa instituição o Estado ou uma empresa familiar, assistimos a uma luta entre poder e contrapoder, entre a manutenção do status quo e  a possibilidade de mudança.  Diante do apego egóico à empresa, o desafio de todo gestor é ampliar a possibilidade de comunicação entre os vários atores envolvidos na formulação de objetivos comuns alcançáveis em benefício da empresa.

 No processo de formação da identidade individual ou coletiva é importante que ocorra um ato de transformação. Esse ato de transformação implica um sentido de sacrificio, um auto sacrifício humano, da renúncia à pura concentração sobre si mesmo. (Jung, 1986, par.675)

Podemos utilizar como metáfora o tema do sacrifício simbólico para entendermos o processo de desidealização de uma empresa familiar que revê suas metas frente a suas reais possibilidades. Todo ideal  de crescimento deve incluir a consciência dos limites. O sacrifício da satisfação imediata individual deve ceder lugar às ações que beneficiem a empresa a longo ou curto prazo. Os objetivos que a fundaram sofrerão certamente transformações considerando-se a realidade política e econômica da sociedade onde se insere que ajudam a desenhar sua história.

O filho não é mera continuação de seu pai. De forma análoga, a empresa familiar não é mera continuação de seu fundador. Deve-se abandonar a disputa de poder que se debruça sobre o tema de quem está ou não com a razão para uma atitude de compreensão e entendimento das necessidades da empresa. O foco deve se transferir das lutas pelo poder para a análise das convergências e divergencias no ideário dos sócios visando-se  o fortalecimento da empresa e o respeito à identidade dos herdeiros que poderão ou não vir a fazer parte do corpo gestor.  Para esse intuito a preparação de um plano de sucessão que avalie as competências dos herdeiros e a possibilidade de profissionalizar a empresa quando se fizer necessário são ferramentas importantes.

Para esse fim, pode ser de inestimável ajuda a mediação de uma equipe multidisciplinar que  inclua profissionais das áreas de direito e de psicologia, esses últimos, especialistas em dinâmica de grupos e em  terapia de casal e familia, tendo em vista que a análise dos conflitos entre identidade e poder é de fundamental importância em  processos sucessórios de empresas familiares: não basta simplesmente aplicar, ou pior, impor a lei.

 

 

Bibliografia

 

 

ALCOFORADO, Fernando. Globalização e identidade cultural, 02/03/2013http://www.slideshare.net/falcoforado/globalizao-e-identidade-cultural consulta feita em 17/11/2013.

 

ARENDT, Hanna. Sobre a Violência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.

 

BAUMANN, Zigmunt. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2009.

 

BAUMANN, Zigmunt./ A Sociedade Individualizada– vidas contadas e histórias vividas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008.

 

BRANDÃO, Celia. Gravidez na adolescência e a transformação dos papéis na familia. In: Um olhar sobre a familia trajetória e desafíos de uma ONG. CeliaValente organizadora – São Paulo: Ágora, p.63-70, 2004.

 

BRANDÃO, Celia. Sucessão Familiar. Identidade e poder nas relações homem e mulher. Interfaces com a psicologia da familia empresária. em Aspectos Relevantes da Empresa Familiar: governança e planejamento patrimonial sucessório. Parte II, cap. 1, p. 65-67. Organizadora Roberta Nioac Prado. São Paulo: Editora Saraiva, 2013.

 

CASTELLS, Manuel Ólivan. Redes de indignación y Esperanza. Madrid: Alianza Editorial, 2012.

 

DERRIDA, Jacques e ROUDINESCO, Elisabeth. De que Amanhã: Diálogo. Tradução: André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2004.

 

DELEUZE Gilles E GUATARRI, FÉLIX. O Anti-Édipo – capitalismo e esquizofrenia. Lisboa: Assirio & Alvim, 2004.

 

FREUD, Sigmund Obras Completas. La disolución Del Complejo De Édipo. Madrid: Biblioteca Nueva, Tomo III, p.2748, 1981.

 

GALIÁS, I. Relações pais-filhos. As complicadas relações amorosas. Junguiana, São Paulo: Sociedade, n.  27, p.13- 19, 2009.

 

GALIÁS, I. Pais e filhos – uma rua de mão dupla. São Paulo: Sociedade, n.21, p. 69-79.

 

GIRARD, René. A Violência e o Sagrado. São Paulo: Paz e Terra, 2008.

 

GIRARD,  René. O Sacrifício. São Paulo: Realizações Editora, 2011.

 

HALL, STUART. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: RDP&A, 1992.

 

KOHUT, H. A Restauração do self. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1988

 

JUNG, Carl G. Símbolos da Transformação. Petrópolis: Vozes, 1986.

 

JUNG, Carl G. Arquétipos e o inconsciente coletivo. São Paulo: Editora Vozes, 2003.

 

KETS DE VRIES M, CARLOCK, RANDEL S, FLORENT TRACY, Elisabeth. A empresa familiar no divã: uma perspectiva psicológica; tradução André de Godoy Vieira – Porto Alegre: Bookmann, 20.

 

MCLUHAN, Marshall e FIORE, Quentin. Guerra e paz na aldeia global. Rio de Janeiro: Record, 1971.

 

NOLASCO, Sócrates. De Tarzan a Homer Simpson: banalização e violência masculina em sociedades contemporâneas ocidentais. Rio de Janeiro: Rocco, 2001.

 

ROUDINESCO, Elisabeth. A família em desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.

 

ROUDINESCO, Elisabeth. A parte obscura de nós mesmos – Uma história dos perversos – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008.

 

REDFEARN, J.W.T. My self, my many selves. (The Library of analytical psychology; v.6. London: Academic Press, Inc. 1985.

 

ZOJA, Luigi. O pai – São Paulo: Axis Mundi Editora Ltda, 2005.

 

1

 


[1] Psicóloga pela Universidade de São Paulo em 1975 e Analista pela Sociedade Brasileira de Psicología Analítica em 1993. Atua na área de psicología clínica há 37 anos, atendendo adolescentes, adultos, casais e famílias. Com experiência de trabalho como psicoterapeuta, como psicanalista e como mediadora de conflitos na atividade clínica em consultório, assim como também em psicologia institucional e organizacional. Ex-professora e coordenadora do Curso de Especialização em Psicoterapia de Abordagem Corporal do Insituto Sedes Sapientiae em SP. Foi diretora de ensino da SBPA e é membro do corpo docente da instituição. Integra o Grupo do GEEF (Grupo de Estudos de Empresas Familiares) da FGV Direito. 

[2] Para Carl Jung o self é um centro arquetípico organizador da psique. Michael Fordham postula a existência de um self primário, presente no recém-nascido. Esse self corresponde à “soma de sistemas parciais” que podem se desintegrar e voltar a integrar-se ao self em processo de maturação. Dessa forma uma criança desde a mais tenra idade pode ser vista como “uma unidade à parte dos pais”. Ver mais sobre o tema em: Fordham, M. A Criança como Indivíduo. Tradução: Tito Cavalcanti. São Paulo: Editora Cultrix, 1994, pag. 86.

[3] Ver mais sobre o tema do inconsciente coletivo em Jung, C. G, vol IX.

[4]Ainda que não haja uma equivalência absoluta entre os conceitos de self e de ego utilizados pelos autores da psicanálise (Freud, Klein, Winnicott) e da psicologia analítica (Carl Jung, Michael Fordham), a noção de self primário de Fordham a partir do qual se desenvolve o “eu rudimentar” pode nos auxiliar no entendimento de como se forma a identidade. Segundo o autor, o bebê ainda no útero experimenta um tipo rudimentar de consciência. Ainda que não haja uma estrutura que possa ser chamada de ego. O que existe é o self primário, este “integrado de potencialidades” ainda virtuais. Essa entidade primária contém sistemas parciais em potencial, matrizes ancestrais da experiência humana que se diferenciam na relação com o ambiente.

[5] O conceito de introjeção refere-se a um processo evidenciado pela investigação da psicanálise em que o indivíduo incorpora (ou seja, de fora para dentro) qualidades e propriedades de um objeto ou o próprio objeto. O termo incorporar refere-se a um mecanismo psicológico e não se restringe, portanto, ao limite do corpo. (Laplanche, J & Pontalis. J. Vocabulário de Psicanálise, Lisboa: Moraes Editores, 1976).

[6] Petot Jean Michel. Melanie Klein II. Tradução: Marise Levy, Noemi Moritz Kon, Belinda Piltcher Haber e Marina Kon Belinky. São Paulo: Editora Perspectiva, 1988.

[7] Ver mais sobre o tema em Accioly Lins Maria Ivone e Rogério. Winnicott D.W., Experiência Clínica & Experiência Estética. Rio de Janeiro: Livraria e Editora Revinter Ltda, 1988, p. 3-14.

[8] Ver mais sobre o tema em Carl G. Jung. Obras completas vol.VII/2, 1988, Editora Vozes.

[9] Ler mais sobre o tema em Brandão, Celia. Sucessão Familiar. Identidade e poder nas relações homem e mulher. Interfaces com a psicologia da familia empresária. Em Aspectos Relevantes da Empresa Familiar: governança e planejamento patrimonial sucessório. Parte II, cap1, p. 65-67. Organizadora Roberta Nioac Prado. São Paulo: Editora Saraiva, 2013.

 

 

 

[10] No latim vulgar – Potere posse, ser capaz de.

[11] Freud Sigmund, OC. Tomo III, O mal estar na cultura, Madrid: Biblioteca Nueva, 1981.

[12] Ver mais sobre o tema em Girard, 2008.

[13] “(não devemos esquecer que mater e material são duas palavras latinas que tem a mesma origem)”- nota do autor (op. cit, p. 239)

[14] Carl Jung define como complexo à exacerbação da vivência afetiva de um arquétipo na consciência. O arquétipo materno é a base do complexo materno e da mesma forma ocorre com o complexo paterno.  

[15] A psicologia do self tem contribuído nos novos autores psicanalíticos e nos autores pós – junguianos da psicologia analítica para uma revisão das teorias de desenvolvimento psíquico.  O self para a psicologia analítica é o centro da personalidade, é o arquétipo central, um centro organizador da psique.  Contém poderes organizadores inatos de natureza arquetípica. Enquanto para Kohut o self coeso se constrói a partir de processos especulares e de processos de idealização e desidealização self-objetais, para Michael Fordham nascemos com um integrado primário, um self primário que contém potencialidades arquetípicas de desenvolvimento, a partir do qual poderá se desenvolver uma identidade coesa. A tensão entre os teóricos não está resolvida, quando se trata de priorizar  o potencial contido no self, ora visto como uma estrutura psíquica, ora como um conteúdo do aparelho mental que se desenvolve e se modifica em busca de uma integração da personalidade, ou ainda, como a imagem que se tem de si mesmo. Ver mais sobre o tema em Kohut H, 1988, cap. 4 e em Redfearn J.W.T, 1985.

[16] Freud Sigmund. OC. Tomo III. O mal estar na cultura. Madrid: Biblioteca Nueva, 1981.

[17] Sobre o paradoxo do pai Luigi Zoja assinala que “o pai é uma construção, o pai é um artifício: diferentemente da mãe que preserva no campo humano uma condição consolidada e onipresente no que diz respeito à vida animal. […] Além da aparência imposta pela cultura patriarcal, quando comparado à mãe, o pai é muito mais inseguro a respeito de sua própria condição”. (Zoja op.cit. p.22).

[18] No meu artigo Gravidez na adolescência e a transformação dos papéis na família (2004), reflito sobre os resultados de pesquisa feita em escolas de classe média e baixa em São Paulo que confirma que estamos vivendo um momento de transição dos papéis na família. Há dados que indicam um enfraquecimento da figura paterna na família.  As crianças e adolescentes se perguntam para que “serve” o pai, evidenciando uma figura de pai ausente.

[19] “Uma camada mais ou menos superficial do inconsciente é indubitávelmente pessoal. Este, porém, repousa sobre uma camada mais profunda, que já não tem origem em experiências ou aquisições pessoais, sendo inata. Esta camada mais profunda é o que chamamos de inconsciente coletivo […] substrato psíquico comum de natureza psíquica suprapessoal que existe em cada indivíduo.” (Jung, 2003, p. 15)

 

[20] Jung usa o termo “individuação” para designar o processo psicológico “que gera um “individuum” psicológico, ou seja, uma unidade indivisível, um todo. (Jung, 2003, p. 269)

[21] Ver mais sobre o tema em  Vries, Carlock e Florent Tracy, 2009).